Uma Viagem Inesperada

Um olhar autista sobre o filme Miracle Run e o poder do amor materno, da música e da aceitação

Assistir ao filme Uma Viagem Inesperada – Missão Especial (Miracle Run) não foi só cumprir uma tarefa da faculdade. Foi como abrir uma janela para o passado e enxergar minha própria vida refletida na tela, mas com outros nomes, outras vozes, outras dores e esperanças que são, no fundo, as mesmas. A história da mãe Corrine e seus filhos gêmeos autistas, Stephen e Phillip, é baseada em fatos reais, e talvez por isso tenha mexido tanto comigo.

Corrine é o tipo de mãe que não espera o mundo entender seus filhos para começar a lutar por eles. Ela enfrenta o abandono do marido, o preconceito da sociedade e o desconhecimento sobre o autismo com coragem, amor, força e como tantas outras mães atípicas, ela não desiste. Ela acredita.

O filme mostra que o autismo não é algo a ser “curado”, mas compreendido, respeitado e acolhido. É sobre oportunidades, não sobre limitações.

Quando sair do carro é mais difícil do que parece

Uma cena que me marcou profundamente foi quando o personagem Erik, numa outra representação que remete a Stephen ou Phillip, se recusa a sair do carro. Aquilo me transportou direto para minha infância. O carro, para ele, era um abrigo silencioso contra o mundo lá fora, cheio de barulhos, luzes, olhares que julgam e não compreendem. Não era birra. Era proteção. Eu me vi ali. Com medo de sair. Com medo de sentir demais.

Mães que escutam até o silêncio

Corrine não grita. Ela acolhe. E isso diz tudo. Ela enfrenta o sistema educacional, a solidão, o peso de ser responsável por tudo e todos. Isso me fez lembrar dos silêncios que minha mãe respeitava, das vezes em que ela compreendia meus ruídos internos mesmo quando eu não sabia explicar. Ela nunca me forçou a ser quem eu não era. E é disso que se trata a verdadeira inclusão: de aceitar, não de consertar.

Música: minha voz quando eu não sabia falar

No filme, Stephen encontra nas corridas sua paixão. Phillip, na música, encontra sua forma de expressão. Essa parte me atravessou. A música também foi minha salvação. O saxofone, o violão, mesmo que eu não tenha o talento que Phillip demonstra, foram as minhas palavras quando elas não vinham. Por meio da música, eu disse “estou aqui”, mesmo sem falar. Foi assim que conheci minha esposa, Márcia, que ouviu minha linguagem e escolheu caminhar comigo.

Família que permanece

O filme também mostra o papel do terapeuta ocupacional, das escolas inclusivas (quando realmente preparadas) e, principalmente, da família. Não uma família perfeita, mas uma que ama, cansa, erra, aprende e continua ali. Doug Thomas, o padrasto, entra na vida dos meninos depois, mas sua presença é essencial. Ele é o apoio que Corrine precisava. E isso mostra que amor e cuidado não precisam vir só do sangue, mas da disposição de estar junto.

O mundo precisa olhar com mais sensibilidade

O que mais me tocou é que Uma Viagem Inesperada não é um filme que tenta “explicar o autismo”. Ele mostra. Mostra o barulho do hospital, a confusão da escola, a ansiedade das mudanças, o aconchego das repetições. Mostra o que os olhos comuns não enxergam. E tudo isso me representa. Cada pequeno detalhe.

Na disciplina Comunicação e Expressão da FACULDADE, aprendi que um texto descritivo vai além de relatar. Ele sente. Ele traduz a alma dos acontecimentos. E, quando se é autista, escrever se torna um ato de coragem. É permitir que o mundo veja o que a gente geralmente guarda só pra dentro.

Não é só um filme sobre autismo…

É sobre amor sem manual. Sobre resistência com ternura. Sobre mães como Corrine, e como a minha, que não esperaram a sociedade mudar para dar aos filhos o direito de viver plenamente. É sobre inclusão que começa dentro de casa. E é, acima de tudo, sobre enxergar o outro com respeito e esperança.


Referência do filme:

UMA VIAGEM INESPERADA – MISSÃO ESPECIAL. Miracle Run. Direção: Gregg Champion. Estados Unidos: Lifetime Television, 2004. Filme (1h 29min). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=jqgAM7oteGU. Acesso em: 1 ago. 2025.


Miracle Run


Crédito de Imagem: Internet Miracle Run no IMDb




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