Meu Mundo Particular: Como é viver em silêncio sendo autista

Em silêncio, dentro de mim, vive um mundo que não é menor, apenas mais profundo. Enquanto tento compreender o ritmo frenético da sociedade neurotípica, vou organizando o caos externo com as ferramentas internas que desenvolvi como autista.

No meu jeito de ver e sentir a vida, existe uma divisão muito clara, quase simbólica: o lado de dentro (psique) e o lado de fora (ação). Meu mundo particular é a junção desses dois lados.

O lado de dentro: psique, pensamentos e intensidade

É aqui que tudo começa. Esse é o território dos pensamentos, das reflexões, da percepção apurada. É onde moram a lógica, a introspecção e a sensibilidade.

Cada ser humano tem seu funcionamento interno, que é moldado por vários fatores, desde a genética até os acontecimentos da vida. E, nesse funcionamento, também se expressa um temperamento (como explicava Hipócrates, ao propor os perfis melancólico, fleumático, colérico e sanguíneo) que influencia nosso modo de reagir ao mundo.

Para quem está no espectro autista, como eu, esse lado interno tem suas próprias particularidades: hiperfoco, sensibilidade sensorial, literalidade, um ritmo diferente de percepção e expressão emocional. Mas não é um defeito, é apenas uma outra forma de organizar o mundo.

O lado de fora: ação, sociedade e desafios

É nesse espaço externo que se desenvolvem os encontros com o outro. É aqui que vivemos em sociedade, com suas regras, instituições, barulhos, expectativas, cobranças.

Segundo Émile Durkheim (1983), a sociedade pode ser classificada em três tipos:

  • Sociedades normais: onde as funções sociais são exercidas em equilíbrio;
  • Sociedades patológicas: onde parte das funções sociais se desequilibra;
  • Sociedades anômicas: onde as normas se rompem, levando ao caos social.

Nosso papel como indivíduos é atuar neste lado externo com consciência, enfrentando suas barreiras sem perder a identidade. E isso exige coragem, principalmente para quem sente o mundo de forma diferente.

Quando toco música: a fusão dos dois mundos

Ao executar uma música com meu saxofone ou com o violão, sinto claramente os dois lados se integrando: o lado interno (onde organizo sons, emoções, ideias) e o lado externo (onde compartilho isso com o mundo).

Esse momento de fusão é raro e precioso. Porque nele, consigo existir por inteiro.

Universo de mundos particulares

Cada pessoa é um universo particular. Quando esses universos se encontram, formam o que chamamos de sociedade. Essa convivência se dá em grupos:
  • Primários (família),
  • Secundários (trabalho),
  • Intermediários (escola, comunidade).

Cada um desses grupos influencia nosso modo de ser e agir. Ao mesmo tempo, também somos capazes de influenciar os grupos dos quais fazemos parte.

No meu caso, o olhar atípico (Asperger) contribui com novas perspectivas, mesmo que, às vezes, o mundo ainda não esteja preparado para esta escuta com paciência e respeito.

A pressão que molda

A forma como agimos no mundo não é aleatória. Somos moldados por pressões internas (nossos medos, desejos, sonhos) e externas (exigências sociais, padrões culturais, regras).

Mas não somos apenas resultado dessas pressões. Somos também agentes do fazer. Criamos. Influenciamos. Ensinamos e aprendemos.

Mesmo quando erramos ou nos sentimos derrotados, ainda assim estamos em processo. Porque os desafios não servem só para nos testar, servem também para nos formar.

Por uma sociedade que acolhe

Para que a convivência entre os mundos particulares seja possível, é preciso que a sociedade caminhe em direção à normalidade funcional, ou seja, regras claras, leis justas, respeito mútuo, escuta ativa.

Uma sociedade não precisa ser igualitária no sentido de apagar as diferenças, mas sim inclusiva, no sentido de garantir dignidade para todos, inclusive para os mundos atípicos.

Conclusão: autoconhecimento como ponto de partida

Se quisermos transformar o mundo lá fora, primeiro precisamos entender o mundo aqui dentro. Só quem se conhece de verdade é capaz de agir com consciência e construir pontes com os outros.

Não se trata de vencer sempre. Trata-se de continuar caminhando, mesmo que devagar, mesmo que em silêncio.

O mundo é feito de muitos mundos. E cada um tem algo a ensinar. Inclusive o meu. Inclusive o seu.


Referências

BODART, Cristiano das Neves. Normal e patológico em Durkheim. Blog Café com Sociologia, 2015. Disponível em: https://cafecomsociologia.com/2015/09/normal-e-patologico-em-durkheim.html. Acesso em: 09 abr. 2019.

DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. Trad. Carlos Alberto Ribeiro de Moura. São Paulo: Abril Cultural, 2ª ed. Série “Os Pensadores”, 1983.

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Autor:

Sou Vilmar Francisco de Oliveira. Servidor público na Prefeitura de Londrina desde 2012, atuo com dedicação silenciosa e responsabilidade cotidiana. Sou bacharel em Ciências Sociais (UEL) e tenho especializações em áreas como Gestão Hospitalar, Direito Administrativo, Sociologia e Administração Pública.

Carrego comigo o autismo como parte da minha identidade, não como limite, mas como lente única para sentir e transformar o mundo.

Também sou músico instrumentista, autodidata, e escrevo porque as palavras me ajudam a traduzir o que muitos não veem: os sentidos profundos de um mundo atípico.

Estar em formação constante não é apenas sobre cursos, mas sobre aprender a existir com mais verdade, escuta e afeto.


Meu mundo particular
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