Reflexão em Desenho: Uma Jornada Autista Entre o Pensar, o Agir e o Lutar

Desde criança, aprendi a observar antes de agir, não por escolha, mas por instinto. No silêncio que sempre habitou em mim, a vida era observada como quem assiste a um jogo sem saber se será convocado. Cresci assim: entre a análise do mundo e a dificuldade de pertencer a ele. Foi nesse intervalo entre o pensar e o fazer que encontrei o desenho como linguagem, e a reflexão como refúgio.

1. Pensar: quando a bola é só silêncio

Neste primeiro desenho, o jogador contempla a bola. Não corre. Não chuta. Apenas olha.

Pensar

Para muitos, isso pode parecer hesitação. Para mim, é processamento. É o tempo necessário para entender o que o mundo espera de mim, e o que eu espero dele.

Na perspectiva sociológica, somos condicionados a agir rápido, a dar respostas automáticas, a performar eficiência. Mas pessoas autistas funcionam em outro ritmo. Precisamos de tempo para refletir, organizar o que sentimos, entender o campo antes de entrar em jogo. Pensar não é paralisia. É estratégia.

“Quando tiver um problema, primeiro reflita sobre ele."

Essa frase não é só um conselho. É um manifesto contra o imediatismo social.

2. Agir: quando o corpo acompanha a decisão

Neste segundo desenho, o jogador finalmente chuta a bola.

Agir

Esse momento simboliza mais do que uma ação: representa uma travessia entre o mundo interno e o externo.

Para muitos autistas, agir exige vencer camadas de ansiedade, dúvidas, expectativas alheias e medo de errar. Não é simples. Agir é um ato de coragem.

Na dimensão coletiva, a sociedade valoriza o fazer, mas pouco compreende o processo que antecede o gesto. É como se o valor da pessoa estivesse no resultado e não no caminho. Mas, para nós, cada passo tem peso. Cada movimento é carregado de significados que o olhar neurotípico costuma ignorar.

“Após refletir, devemos agir para alcançar nossos objetivos.”

Agir é necessário, mas que seja no nosso tempo, com nossa forma de ser.

3. Lutar: quando existir já é resistência

Neste terceiro desenho mostra um lutador. Não um herói de filme, mas alguém, com as marcas da batalha cotidiana.

Lutar

Ser autista num mundo que exige sociabilidade performática, respostas rápidas, adaptação constante e apagamento das diferenças... já é uma luta.

A sociedade espera que nos encaixemos, e quando não conseguimos, nos culpa.

Mas, como mostra o desenho, a luta não é apenas contra o que está fora. É também interna. Lutar para não desistir, para não se calar, para não apagar quem somos em nome de uma falsa normalidade.

“A vitória só virá com muita luta e garra, pois não devemos desanimar com os desafios da vida.”

Essa luta é diária, silenciosa e, muitas vezes, invisível. Mas ela nos molda. E nos fortalece.

Conclusão: A trajetória atípica

Pensar, agir e lutar.

Três verbos que, quando vistos pela lente autista e sociológica, revelam a complexidade de existir fora do esperado.

  • Não somos lentos, somos profundos;
  • Não somos frios, sentimos demais;
  • Não somos fracos, apenas nos cansamos de lutar batalhas que o outro nem vê.

Minha trajetória, assim como meus desenhos, não é linear. É feita de pausas, escolhas e insistência.

E se posso deixar um recado, é este: não subestime a força de quem pensa demais, age devagar e luta em silêncio.

Talvez sejam essas pessoas as que mais compreendem a beleza do viver.


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✍️ Vilmar Francisco de Oliveira

Autista, sociólogo, escritor, músico e servidor público

Mundo Atípico T.E.A.: "Vivências, Reflexões e Sentidos de um Autista Adulto"

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