Viagens, Ansiedade e Previsibilidade: Um Autista em Trânsito

Brasília, 2018: Voo com Escalas e Desafios Invisíveis

Em agosto de 2018, embarquei em uma jornada solo para Brasília. O objetivo? Participar de uma Oficina sobre um Novo Sistema de cadastro virtual, no Campus Universitário Darcy Ribeiro (UnB) em Brasília/DF.

Naquele período, eu trabalhava na parte administrativa de um Setor da Saúde em Londrina, onde digitava os dados das UBS no sistema virtual. Com a mudança do sistema, fui designado para receber o treinamento necessário.

Mas, na verdade, o que mais aprendi ali não foi sobre tecnologia, mas sobre mim mesmo.

Viajar sozinho de avião, com uma escala em Congonhas, já era um desafio e tanto para minha mente autista. Decifrar os telões do aeroporto exigia um esforço colossal. E, para piorar, ouvi do comissário que uma das portas do avião estava com defeito. Isso me deixou paralisado por dentro.

Minha salvação veio da minha esposa, Márcia, mesmo à distância. Através do celular, ela me ajudou a escolher o hotel, me deu orientações e até contratou o táxi. Estava comigo em espírito, passo a passo. Sem ela, eu teria travado.

No final do curso, o taxista que me levou ao aeroporto fez algo que me tocou profundamente: ele passou devagar em frente ao Palácio do Alvorada, para que eu pudesse admirar a arquitetura de Brasília: executivo, legislativo, judiciário. Foi como se eu estivesse em um passeio não só físico, mas também espiritual.

Voltar para casa foi um alívio e uma verdadeira vitória.


Santa Catarina, 2018: Ansiedade na Ida e na Volta

Em dezembro de 2018, fui com a Márcia para Santa Catarina, na cidade de Itajaí, para visitar meu irmão Salatiel. Pegamos um ônibus para a viagem, que foi longa e cheia de desafios. Tive uma crise de ansiedade na ida e outra na volta.

O ônibus fechado, os sons, o cheiro do estofado, o tempo que parecia não passar... Tudo isso foi uma verdadeira agressão aos meus sentidos.

Ficamos na casa do meu irmão e fizemos alguns passeios. O grande destaque foi o Parque Beto Carrero World.

Lá, me senti respeitado como autista. A Carteirinha do Autista foi aceita, e a acessibilidade era de verdade: rampas, cadeiras, carrinhos e, principalmente, funcionários bem treinados. Aproveitamos vários brinquedos. Visitamos o parque de trenzinho, fizemos um passeio de helicóptero, e ainda encontramos piratas, dinossauros e e um show de carros Hotwheels.

Mas mesmo em um lugar tão acolhedor, eu precisei da minha esposa o tempo todo, como meu suporte emocional e sensorial.

Foi uma viagem cheia de contrastes: cansaço e acolhimento convivendo no mesmo roteiro.


Florianópolis, 2020: Uma Ilha, Um Cronograma, Um Equilíbrio

Em janeiro de 2020, retornamos a Santa Catarina, desta vez para Florianópolis. Pegamos o ônibus novamente, mas a experiência foi bem diferente. A Márcia se organizou tudo com bastante antecedência, mostrando o roteiro, o hotel e os passeios. Isso fez toda a diferença! Eu já sabia o que esperar e, por isso, não tive grandes crises. 

Ela escolheu um lugar mais tranquilo na ilha. Fizemos um City Tour que passou por todas as praias e pelo Projeto Tamar, tudo bem organizado pela agência com um cronograma claro. 

Tentei andar de stand up paddle e, apesar de ter caído algumas vezes por causa do equilíbrio, não desisti e consegui! Também experimentei ostras em um restaurante, fomos ao cinema e, na volta, caminhamos pelo calçadão, onde um artista de rua fez minha caricatura. Foi interessante ver como ele me enxergava. 

Conhecemos a Ponte Hercílio Luz, que é histórica e imponente. Essa viagem não só respeitou meu tempo, mas também me ajudou a crescer como autista adulto.


Bombinhas, 2022: Aventuras no Ritmo Certo

Em janeiro de 2022, nossa aventura nos levou a Bombinhas, também em Santa Catarina. Fizemos a viagem de ônibus, e, felizmente, tudo correu bem, sem crises sérias. E por que isso aconteceu? Simples: havia um bom planejamento.

Minha esposa cuidou de todos os detalhes com a empresa Casa do Turista:

  • Fizemos um City Tour pelas praias;
  • Participamos do Adventure 4x4, um passeio de veículo 4x4 até o Mirante Eco 360, onde as vistas eram deslumbrantes, com trilhas e caminhos incríveis;
  • E ainda tivemos a experiência do Navio Pirata, que nos encantou com seu visual e teatro.

Eu também fiz mergulho com snorkel na Zimbros EcoTour. No início, confesso que fiquei com medo. Mas a instrutora foi super paciente e me ajudou a relaxar. E, no final, consegui! Enfrentei o fundo do mar com tranquilidade.

Encerramos a viagem com uma visita a Balneário Camboriú: andamos na Roda Gigante, exploramos o Oceanic Aquarium, visitamos a Casa do Pirata e admiramos os Carros Antigos.

Tudo dentro do que eu consigo lidar. Tudo bem planejado.


Foz do Iguaçu, 2024: Frio, Crise e Descobertas

Em julho de 2024, fizemos uma viagem para Foz do Iguaçu. Pegamos um ônibus e, para ser sincero, tive uma crise de ansiedade por causa do frio intenso. Mas, tirando isso, a viagem foi um sucesso!

Mais uma vez, a previsibilidade foi nossa aliada.

Visitamos o tio da Márcia, o Templo Budista, o Museu de Cera, o Car Wash, o Show das Águas, o Parque das Aves e, claro, as Cataratas, onde senti o orvalho no meu rosto como um abraço da natureza.

Na Argentina, exploramos a Aripuca, o centro de Puerto Iguazú e o Marco das Três Fronteiras do lado argentino.

Vi figuras de cera, carros incríveis e pássaros fantásticos. Foi a segunda vez que viajei para outro país. A primeira foi em 2014, quando fui ao Paraguai. Naquela época, viajei de carro com meus sogros e ficamos na casa do tio da minha esposa. Conhecemos a Usina Hidrelétrica de Itaipu, mas as Cataratas só conheci neste ano de 2024.

Nesta última visita a Foz, voltei com a sensação de que posso viajar, desde que me respeitem do jeito que sou.


O Que Aprendi Viajando Como Autista Adulto

Viajar me tira da rotina, e isso, por si só, já é o suficiente para me deixar em colapso. Mas aprendi que, para nós autistas, o medo não está em viajar, mas sim no que é inesperado.

A previsibilidade é como uma bússola emocional para mim. Quando sei o que vai acontecer, meu cérebro se acalma. E com o suporte e apoio da minha esposa, tudo se torna mais organizado. Com um roteiro, explicações, tempo e cuidado, tudo flui melhor.

Sou autista. Adulto. E posso viver experiências incríveis, desde que o mundo não me engula de uma vez.

O que eu preciso é de:

  • Tempo;
  • Silêncio;
  • Roteiro;
  • Apoio emocional;
  • Respeito sensorial.

Quando essas necessidades são atendidas, o mundo se abre para mim, e eu posso ir longe.


Mosaico de minhas viagens
Mosaico de minhas viagens

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