Fui uma criança asmática.
A falta de ar fazia parte dos meus dias, como se o mundo viesse sempre com uma trava no peito. O chiado era constante, mais constante até do que a minha própria voz.
Eu respirava com dificuldade. Vivia entre bombinhas e inalações, aprendendo desde cedo a ter cuidado com cada suspiro.
Mas algo mudou…
Antes mesmo de ouvir a palavra "autismo", eu já sabia muito bem o que era sentir demais e falar de menos.
A primeira vez que encostei num violão, eu não tinha ideia do que estava fazendo. Só sabia que havia alguma coisa ali, entre as cordas e meus dedos trêmulos, que queria sair.
As notas saíam tortas, é verdade. Mas, pela primeira vez, eu me sentia inteiro.
Como se cada acorde falasse por mim.
Como se, enfim, eu pudesse existir, sem precisar encarar os olhos de ninguém.
Anos depois, veio o saxofone.
E não foi só a alma que se manifestou. Meu corpo também despertou.
Soprar aquele instrumento era mais do que aprender música. Era desafiar meu próprio pulmão, enfrentar o chiado, transformar a respiração em arte.
Minhas crises diminuíram. Meus dias mudaram.
Ganhei um som.
Ganhei fôlego.
Ganhei um novo jeito de viver.
Hoje, como sociólogo e autista, fico pensando: quantas crianças, como eu, estão aí, caladas por dentro, respirando mal por fora e por dentro, porque ainda não encontraram seu som?
A música, pra mim, não foi só um consolo. Foi uma linguagem.
Foi abraço.
Foi cura.
Foi a forma mais bonita que encontrei de dizer: "Eu estou aqui".
Num mundo tão barulhento, a música foi o meu grito organizado.
A música é inclusão, porque não exige palavras.
É afeto, porque permite o silêncio.
É resistência, porque educa o corpo e liberta o sentir.
Se você tem um filho autista, ou se você é esse filho que cresceu, experimente a música.
Toque. Ouça. Respire junto com ela.
Não importa o instrumento.
O que importa mesmo… é a liberdade que ela traz.
Autismo não é ausência.
É uma frequência diferente.
E às vezes, essa frequência vibra no sopro de um saxofone.
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Por Vilmar Francisco de Oliveira
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