Minha História de Vida

Eu sou Vilmar Francisco de Oliveira.

Sou autista. Adulto. Músico. Servidor público. Esposo. Filho do Francisco e da Wilma.

Escrevo para respirar. Escrevo porque, por muito tempo, minhas palavras não saíram da boca, mas nunca deixaram de existir dentro de mim.

Nasci num mundo que fala demais e ouve de menos. Um mundo difícil de entender, barulhento demais pra quem sente tudo em volume alto por dentro.

Desde criança, carreguei um silêncio que ninguém soube nomear.

Cresci isolado, com crises de asma, enxaquecas, angústias que não sabiam se explicar. Me sentia fora do lugar, e ninguém conseguia me alcançar.

As palavras me escapavam, os gestos não eram iguais aos dos outros meninos. E tudo isso ficou guardado por anos, sem resposta.

Hoje eu sei: era autismo.

Não o autismo das definições técnicas, mas o autismo vivido na pele e na alma.

O autismo silencioso, sensível, real. Um jeito de existir que sempre foi meu, mesmo antes de eu entender que tinha nome.

Meu pai, Francisco Pereira de Oliveira, o “Pastor Chiquinho”, foi um homem que viveu da fé.

Com humildade, coragem e mansidão, ele me ensinou que Deus ouve até o silêncio.

Ele não pregava só no púlpito, pregava com a vida.

Era firme, mas terno. Forte, mas manso.

Quando penso no que significa ser pastor, penso nele.

Quando oro calado, ainda escuto a fé dele dentro de mim.

Minha mãe, Wilma Anedino, foi raiz.

Foi colo, força e direção.

Me amou como eu era, sem tentar me encaixar nos moldes dos outros.

Ela me enxergou quando até eu mesmo me perdia.

A fé dela não era barulho, era sustento. Foi ela quem segurou minha identidade com as duas mãos quando eu ainda não sabia quem era.

Na vida adulta, encontrei Márcia. Minha esposa. Minha paz.

Ela não quis me mudar. Ela ficou.

Com ela, aprendi que amar um autista é também aprender um novo tempo, um novo idioma, um outro jeito de sentir.

Ela me ensina, todos os dias, que amor de verdade acolhe. Não impõe. Constrói junto.

A música sempre foi meu abrigo secreto.

Na adolescência, foi com um violão nas mãos que comecei a dizer o que eu não conseguia com palavras.

Depois veio o saxofone, e junto com ele, um sopro de cura.

Minhas crises de asma começaram a dar espaço pra respirações profundas.

A dor virou som. O som virou alívio. E a música me devolveu o corpo.

Me devolveu a liberdade de existir inteiro.

Ao estudar ciências sociais, curso que me formei, e tendo um olhar sociológico, vejo como nossa sociedade ainda silencia quem é diferente.

Adultos autistas muitas vezes são invisíveis. Esquecidos.

Mas nós existimos. Amamos, sentimos, trabalhamos, criamos.

Não somos falhas no sistema. Somos parte dele, mesmo quando ele ainda não sabe como nos acolher.

Mais do que diagnósticos ou políticas públicas, precisamos de humanidade.

Autismo não é ausência de sentimento. É uma forma diferente de senti-lo.

Não é desvio de humanidade. É outra forma de expressá-la.

Como cristão, eu creio: Deus não erra na criação.

Fui feito assim, sensível, calado, detalhista, profundo.

E isso não é falha. É forma.

Acredito num Deus que não exige que a gente se normalize pra ser amado.

Um Deus que escuta até o silêncio. Que entende orações feitas só com o olhar.

Que abraça até os que se escondem no fundo da sala.

E aos autistas adultos que me leem agora:

Você tem valor. Mesmo quando dizem o contrário.

Você pode ter fé, mesmo que ore em silêncio.

Pode amar, mesmo que o seu jeito de amar não seja o esperado.

Pode viver com dignidade, mesmo que o mundo não tenha sido feito pra você.

Eu sou fruto de silêncio, fé e resistência.

Filho de um pastor que me ensinou a viver com propósito. De uma mulher que amou sem exigir.

Sou esposo de alguém que caminha comigo sem pressa.

E sim, sou autista.

Este blog não é um manual. É um testemunho.

Aqui, escrevo com a alma de quem foi calado, mas aprendeu a se expressar com o coração.


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Por Vilmar Francisco de Oliveira

Autista. Adulto. Músico. Esposo.

Filho da Wilma e do Pastor Francisco "Chiquinho".

Escrevo com fé, verdade e amor.

Esse é o meu jeito de estar no mundo, deixando um sopro de esperança pra quem também carrega um universo inteiro dentro de si.

Vilmar

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