Francisco Pereira de Oliveira (pai)

Pastor Chiquinho: Um Homem que Viveu da Fé, do Amor e dos Milagres

Chamado por todos de “Pastor Chiquinho”, meu pai era um homem de alma mansa, coração gigante e fé tão viva que não cabia dentro dele. Vivia cercado por milagres. Uns ele testemunhou. Outros ele viveu na pele. Muitos desses momentos foram costurados à minha infância, e fazem parte da minha história atípica.

Onde tudo começou

Francisco nasceu em 10 de novembro de 1952, no interior de Minas Gerais, na pequena Grão Mogol. Era um entre dez irmãos, filhos de Benício e Ana. A infância foi marcada por simplicidade, enxada na mão e pés na terra. Estudou só até a terceira série. Depois, a vida o chamou para o trabalho na roça.

Meu avô, em busca de uma vida melhor, vendeu o sítio e levou a família para Assis, no interior de São Paulo. A mudança foi dura, mas trouxe novos caminhos. Inclusive, o mais importante deles: o caminho do amor.

O amor que mudou tudo

Foi em Assis que meu pai conheceu minha mãe, Wilma. Ela, evangélica de berço; ele, de família católica. Apaixonou-se à primeira vista, mas só criou coragem de pedi-la em namoro depois de beber um pouco. Foi sincero, mas o gesto quase o afastou dela. Por sorte, ou providência, ela deu uma chance. E que bom que deu.

A fé, que até então era discreta, se acendeu de vez depois que minha avó Ana faleceu, vítima de erro médico, pouco depois de ter vencido um câncer de mama. Aquela perda mexeu profundamente com meu pai. Ele passou a frequentar a Terceira Igreja Presbiteriana Independente de Assis, onde se batizou e reencontrou o sentido da vida.

Entre a dor e o propósito

Não demorou e veio outro golpe: a morte de sua irmã mais nova, Jovenita. Uma perda dolorosa, que o levou a refletir sobre a brevidade da vida. Foi então que decidiu se casar com minha mãe. O casamento foi simples e bonito. Foram morar nos fundos da igreja onde ela era zeladora. O salário era pequeno. Ele trabalhava montando antenas de alta tensão, muitas vezes longe de casa.

A saudade apertou. Pediu demissão. Sem emprego fixo, surgiu uma oportunidade: prestar concurso para a Polícia Militar do Paraná, em Londrina. Incentivado por meu tio, embarcou nessa. Passou. Mas durante o curso não recebeu salário, por pendências de documentos. Enquanto isso, minha mãe, grávida de mim, enjoada e debilitada, era ajudada por um comerciante que deixou ela comprar fiado. Quando meu pai finalmente conseguiu pagar a dívida, descobriu que ela mal havia comprado alguma coisa. Por vergonha.

Uma nova terra, um novo chamado

Já em Londrina, começaram a frequentar a Primeira Igreja Presbiteriana Independente. Em 1979, um pastor da Igreja Presbiteriana Renovada de Londrina o convidou, junto com meu tio, para liderar um pequeno ponto de pregação. Daquela semente nasceu a Terceira Igreja Presbiteriana Renovada de Londrina. Cresceu com jejum, oração, e muitos milagres.

Meu pai viveu coisas que desafiavam a lógica. Uma vez, oraram antes de visitar uma casa, mas esqueceram o endereço. Ele orou de novo e Deus revelou o caminho. Outra vez, orou por um homem com lepra. O homem foi curado, e o presenteou com um terno que meu pai usou por muito tempo, com orgulho e gratidão.

Quando a vida pendia por um fio

Meu pai ficou gravemente doente. Bloqueio cardíaco. Doença de Chagas. Desenganado pelos médicos. Foi para casa para morrer. Minha mãe fez um voto: se ele se levantasse, adotaria uma criança. Ele se levantou naquele mesmo dia. O prognóstico era de seis meses. Deus lhe deu mais de trinta anos.

Pastor por vocação e por coração

Aposentado da PM em 1984, dedicou-se de corpo e alma ao ministério. Fez curso de teologia em 1985 e foi ordenado pastor. Viajamos por várias cidades em função do chamado. Em Jataizinho, lembro bem, ele reabriu uma igreja que estava fechada. Em pouco tempo, estava lotada de gente e fé.

Depois, assumiu a igreja em Santa Cecília do Pavão, onde seu irmão, pastor, havia falecido. E em Apucarana, trabalhou com crianças e adolescentes vulneráveis, num sítio cedido pela prefeitura. Minha mãe cozinhava para eles com amor. Meu pai jogava bola, ensinava a plantar, lia a Bíblia com eles. Foram dias bons. Dias de paz.

A promessa se cumpre

Um dia, minha mãe sonhou com uma carruagem trazendo um menino. Logo soubemos de uma mulher grávida, sem condições de criar o filho. Era um menino negro. Muita gente recusou por puro racismo. Meus pais não. Viram ali a promessa viva. Deram-lhe o nome de João Paulo Batista.

As dores e o silêncio

Com o tempo, vieram as decepções com o ministério. Meu pai se afastou da igreja. Mas nunca perdeu a fé. Era um homem de poucas palavras. Não reclamava de dor. Cozinhava com alegria, especialmente aos domingos. Foi cozinheiro na PM e gostava de alimentar quem amava.

Minha irmã Vânia teve crises de epilepsia na infância. Ele estava sempre por perto. Com um lanche, um abraço e a calma de quem cuida com o coração.

No dia em que minha mãe faleceu, ele usava a camisa Polo que ela lhe dera de presente no Dia dos Pais. Ela pediu que ele orasse por ela, e partiu ouvindo sua voz. Foi a primeira vez que vimos meu pai chorar.

O último milagre

Já mais velho, comprou uma chácara em Tamarana. Era o seu refúgio. Amava a natureza, os animais, a pesca. Um dia, passou mal consertando uma bomba de água. Chegou grave ao hospital. Sobreviveu. E mais uma vez, fez da enfermaria seu altar. Lia a Bíblia com os colegas, orava, e viu curas acontecendo ao redor. Era como se a fé se recusasse a deixá-lo ir.

A despedida

No dia 22 de julho de 2018, durante o Culto do Amigo na 3ª IPRL, recebi a notícia: ele havia partido. Mas partiu do jeito que viveu: servindo. Tinha passado o dia pregando o amor de Deus para sua enteada.

Ficamos nós, seus cinco filhos, três biológicos, dois adotivos, com o coração apertado, mas cheio de gratidão. Ele foi nosso abrigo depois que perdemos minha mãe. E mesmo calado, foi nosso maior exemplo.

Mais do que um pai

Meu pai foi policial, pastor, homem de milagres, cozinheiro de alma generosa. Foi “Chiquinho” para os amigos, “Pastor Chiquinho” para a comunidade, e para mim... um herói.

Os médicos lhe deram seis meses de vida. Deus lhe deu mais trinta anos.

E desde julho de 2018, o céu ficou mais bonito. Um dia, espero estar lá também. Com ele. Sorrindo. Cantando. Quem sabe até tocando violão.


___

Por Vilmar Francisco de Oliveira

Autista, filho do Pastor Francisco "Chiquinho", e grato pelas coisas que não cabem nas palavras, mas vivem na memória.


FOTOS DE MEU PAI:


Chiquinho


Casamento


Torre de alta tensão


Wilma, Vilmar e Francisco


Policial Militar


Pregador da palavra


Pastor Evangélico


Cozinheiro


Pescador


Pastor Evangélico


CURSOS REALIZADOS:

Ensino Fundamental


Socorros de Urgência


Cozinheiro


Curso Bíblico


Curso Bíblico


Curso de Teologia

Comentários